Carf muda posição sobre penhora de bens de sócio por infração fiscal

Para Câmara Superior do conselho, é preciso individualizar a conduta dos envolvidos

Um novo entendimento, que beneficia sócios e dirigentes de empresas, vem ganhando força no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Duas das três turmas da Câmara Superior - última instância do órgão - entendem que os profissionais só podem ser responsabilizados pelas infrações tributárias das companhias se a fiscalização comprovar que houve interesse comum e individualizar a conduta de cada um deles.

Existem pelo menos três decisões nesse sentido. Uma é da 1ª Turma da Câmara Superior, responsável por julgar cobranças de Imposto de Renda e CSLL. Os conselheiros decidiram, por maioria de votos, excluir três sócios do processo de cobrança fiscal.

Se tivessem sido mantidos no processo e o débito fosse confirmado, haveria inscrição em dívida ativa e o Fisco teria passe livre para cobrar os valores devidos pela empresa diretamente dos sócios, que responderiam com o patrimônio pessoal. Poderiam, por exemplo, ter carro, casa e conta bancária penhorados.

As outras duas decisões foram proferidas pela 3ª Turma da Câmara Superior, a quem compete bater o martelo sobre as discussões de PIS e Cofins. Um dos resultados se deu por maioria de votos e o outro pelo critério de desempate, que, no ano passado - quando os casos foram julgados - favorecia o contribuinte.

Advogados tributaristas dizem que essas três decisões são as primeiras que se têm notícias em turmas da Câmara Superior e representam uma mudança de posicionamento. Antes, de acordo com eles, predominava o entendimento de que a simples prática de infração, independentemente de individualização de condutas, justificava a manutenção de sócios e dirigentes no polo passivo da autuação.

Os especialistas com quem o Valor conversou veem esse novo entendimento como tendência nos julgamentos do Carf. Acreditam que deve prevalecer mesmo com a volta do voto de qualidade, o critério de desempate que favorece a União, restabelecido em janeiro por medida provisória - em discussão no Congresso e no Supremo Tribunal Federal (STF).

“É uma vitória muito relevante para os contribuintes. Essa discussão afeta todas as cobranças de tributos”, diz o advogado e ex-conselheiro Caio Cesar Nader Quintella, sócio do escritório Ogawa, Lazzerotti e Baraldi.

Os três processos analisados - na 1ª e 3ª turmas - são resultado da Operação Corrosão, deflagrada pela Receita Federal em 2015, que representa a 20ª fase da Lava-Jato.

Estão envolvidas empresas da área de metais e reciclagem que teriam, supostamente, participado de um esquema fraudulento. Companhias fantasmas teriam sido criadas para a emissão de documentos falsos. A finalidade, segundo a fiscalização, era gerar créditos e despesas fictícias.

O caso que chegou à 1ª Turma da Câmara Superior tinha como mentores do esquema dois sócios de diferentes empresas e três filhos de um deles, que eram sócios de uma holding familiar. Os conselheiros decidiram excluir os três filhos do processo de cobrança fiscal (processo nº 10932.720041/2015-43).

Segundo o conselheiro Luis Henrique Marotti Toselli, representante dos contribuintes na turma, que conduziu o voto vencedor e redigiu o acórdão, todas as pessoas físicas responsabilizadas pela fiscalização acabaram “caindo numa vala comum”.

O Fisco responsabilizou os sócios com base em dois artigos do Código Tributário Nacional (CTN): o 135, sobre a responsabilização de sócios, diretores e gerentes de empresas que agiram com excesso de poder ou cometeram infração à lei, e o 124, que trata do interesse comum na situação, no caso o não pagamento do tributo.

Consta na decisão, no entanto, que os filhos não figuravam como dirigentes da empresa autuada e de nenhuma das fornecedoras de fachada e também não foram considerados sócios de fato ou mandantes de qualquer empresa alvo das investigações.

“Deveria, para valer sua tese, demonstrar de maneira concreta e individualizada que cada um dos filhos teria ocupado ou se colocado na posição de administrador de fato, participando ativamente no comando ou gerência das operações simuladas, o que deixou de ser feito para essas pessoas”, frisa, no acórdão, o conselheiro Toselli.

Sem a individualização da conduta e a comprovação de como cada um dos sócios atuou no esquema não teria como, segundo a turma, aplicar o artigo 135 do CTN.

Já para poder acionar o artigo 124, que trata sobre a existência de interesse comum, afirmaram os conselheiros, seria preciso demonstrar confusão patrimonial entre o contribuinte que não pagou o tributo e o terceiro que se quer responsabilizar. Aqui, segundo a turma, cabe ao Fisco reunir provas diretas ou indicativas que identifiquem uma situação de confusão patrimonial.

“Não está provado que os filhos participaram e, sem provar, não se pode imputar responsabilidade à pessoa física”, diz o advogado Maurício Faro, do escritório BMA, que defendeu os três sócios excluídos do processo de cobrança.

O entendimento da 1ª Turma é praticamente idêntico ao adotado pela 3ª Turma, que proferiu as decisões primeiro. Um dos casos chegou ao colegiado por meio de recurso da Fazenda Nacional contra decisão da chamada câmara baixa, que já havia decidido a favor do contribuinte.

A 3ª Turma da Câmara Superior também se debruçou sobre os artigos 124 e 135 do CTN e, por maioria de votos, decidiu manter a decisão que excluiu o sócio do processo de cobrança.

Segundo os conselheiros, não ficou demonstrado de forma inequívoca o interesse comum do profissional na situação, nem comprovado que ele agiu com excesso de poder ou cometeu infração (processo nº 13819.723481/2014-66).

O outro recurso também julgado na 3ª Turma foi apresentado por contribuintes que haviam perdido na câmara baixa. O julgamento terminou em empate. Se tivesse sido realizado neste ano, por conta do retorno do voto de qualidade, o resultado teria favorecido o Fisco e não os contribuintes (processo nº 13819.723484/2014-08).

A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) trata esses casos, no entanto, como “decisões isoladas, que não refletem a jurisprudência”.

Afirma, em nota, que a jurisprudência do Carf e também do Superior Tribunal de Justiça (STJ) consideram que, em caso de fraude comprovada, fica caracterizado o interesse comum dos administradores, gerentes ou sócios com poder de gestão, sendo cabível a imputação de responsabilidade.

Fonte: Valor Econômico - Por Joice Bacelo — De São Paulo

20/03/2023

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